Smart Cities – desafios jurídicos

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Segundo o World Urbanization Prospects das Nações Unidas de 2014, 54% da população mundial reside em áreas urbanas, quando em 1950 este valor era de 30%. Em 2050 calcula-se que esse valor chegue aos 66%. Associado a esta tendência destacam-se as megacidades que são regiões metropolitanas com população superior a 10 milhões – que passaram de apenas 3 em 1975 para cerca de 34 atualmente. Estas poderão ser 41 em 2030 e albergar cerca de 9% da população mundial.

Para melhor compreender e gerir as cidades do futuro é fundamental que estas se tornem inteligentes isto é, sejam capazes de utilizar as tecnologias de informação e comunicação para avaliar e corrigir o seu desempenho.

Uma smart city é uma cidade que utiliza as novas tecnologias digitais de informação para tornar mais eficientes as suas infraestruturas e os seus serviços para benefício dos seus cidadãos, dos agentes económicos contribuindo para uma melhor qualidade de vida e sustentabilidade ambiental.

As smart cities  são também fundamentais para um maior e melhor envolvimento dos cidadãos na governação da cidade. Esta tendência irá ser acelerada pela chamada internet das coisas (IOT) que resulta da existência de biliões de equipamentos e de sensores que podem comunicar entre si gerando quantidades significativas de dados (big data) que, se bem geridos, podem proporcionar benefícios sociais, ambientais e económicos significativos.

Calcula-se que existam atualmente cerca de 10 biliões de dispositivos inteligentes no mundo, número que poderá aumentar para 50 biliões em 2020 e 100 biliões em 2030. Segundo a INTEL as cidades irão investir, nos próximos 20 anos, cerca de quarenta triliões de dólares em infraestruturas de modo a utilizar o potencial da internet das coisas para reduzir o consumo de recursos e tornar as cidades mais resilientes e sustentáveis

Numa entrevista com a McKinsey & Company, o antigo responsável pela globalização da Cisco’s Wim Elfrink previu que, em 10 anos, a internet das coisas nas cidades pode gerar 50% de redução no consumo de energia e melhorar em 80% a eficiência no uso da água.  

As cidades inteligentes podem ajudar os governos a melhorar os serviços de saúde, reduzir a produção de resíduos e o consumo de recursos, promover uma utilização mais sustentável da água, reduzir a poluição do ar e da água, incluindo a emissão de gases com efeito estufa e melhorar o fluxo do sistema de transportes. Os benefícios obtidos permitirão recuperar rapidamente o investimento realizado em tornar a cidade mais inteligente.

Grandes cidades como Singapura, Barcelona, Londres ou S. Francisco estão na vanguarda desta transformação.

Como qualquer avanço tecnológico as smart cities trazem progresso mas também muitos desafios e riscos.  

Muitos desses riscos têm associados problemas jurídicos.

O fácil acesso à informação, característico de uma smart city, significa que os direitos de propriedade intelectual, poderão ser colocados em causa.

Para funcionar uma smart city necessita de recolher muitos dados, alguns de natureza privada. A forma como estes dados poderão ser utilizados implica riscos para o direito constitucional de reserva da vida privada. A geolocalização é um exemplo concreto. Quem aceder aos dados de geolocalização de um cidadão poderá saber onde esteve o que fez e o que comprou. As autoridades públicas que gerem a smart cities poderão também ser tentadas, por razoes comerciais, a partilhar os dados individuais obtidos com empresas privadas expondo assim dados pessoais que poderão ser utilizados de forma abusiva.

A existência de objetos inteligentes que exercerão tarefas até agora realizadas por humanos pode implicar responsabilidade civil em caso de danos. A determinação do responsável coloca desafios jurídicos. No caso de um acidente provocado por uma viatura autónoma (que não necessita intervenção do condutor) o responsável será o fabricante da viatura, o  vendedor do software, ou a autoridade que gere a rede de trânsito?

Uma cidade inteligente também poderá ficar mais vulnerável a ataques informáticos que poderão implicar prejuízos para os seus habitantes.

O nosso ordenamento jurídico não está ainda preparado para responder a estes desafios dado que, geralmente, é lento a responder a novas realidades. Mas a resposta terá de ser dada e deverá procurar o equilíbrio entre a inovação o progresso económico, social e ambiental e a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

 

Paulo Lemos

Consultor e Advogado na Andersen Tax & Legal Portugal