Vendas de casas por valores milionários sobem IMI dos vizinhos

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“Especialista diz que vendas de casas em Lisboa por valores extraordinários não contagiam diretamente a reavaliação dos imóveis, mas têm impacto.”

 

“Nem todas as semanas o setor imobiliário de Lisboa é confrontado com uma transação de tal forma elevada e extraordinária que surpreenda boa parte dos proprietários e agentes imobiliários. Foi o que aconteceu na semana passada com a compra e venda de um apartamento na rua Castilho por cerca de 7,2 milhões de euros.

Daí surgiram mais dúvidas que certezas. Designadamente, na forma como os proprietários das frações dos prédios circundantes encaram esta venda; ou como a Autoridade Tributária (AT) passou a ver esta rua de Lisboa, para efeitos de cobranças de impostos; ou também, de que forma é que uma transação tão elevada pode contagiar as restantes avaliações matriciais e contribuir para aumentar o valor das vendas em redor deste prédio.

Esta situação é extraordinária pelos valores envolvidos, mas não é um caso isolado na crescente valorização de várias zonas de Lisboa, como indicam os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE). O exemplo mais relevante é o da freguesia de Marvila que registou um crescimento de 1.303 euros/m2 no primeiro trimestre de 2019, face a igual período de 2018, numa subida próxima dos 90%. Das 24 freguesias que compõem a cidade de Lisboa, só o Parque das Nações verificou uma ligeira queda de 40 euros/m2 no período em análise, mas há 15 que apresentaram valorizações acima dos 500 euros/m2.

Voltando ao edifício da rua Castilho, o advogado Nuno Oliveira Garcia, especialista em fiscalidade e tributação de imóveis, refere em declarações ao Jornal Económico, que a situação deste prédio “não é única e que há zonas em Lisboa e no restante território continental que registam valorizações recentes”, como são os casos, entre outros, da Amadora, Almada, ou de algumas freguesias do Porto.

O especialista recorda que “o registo dos valores matriciais imobiliários estava francamente desatualizado antes de 2004”, mas que “com o aumento da procura e o aparecimento de investimentos estrangeiros, os valores de transação subiram bastante desde 2014-2015 e já se pode falar na existência de ‘bolhas’ em determinadas zonas urbanas”.

Nuno Oliveira Garcia esclarece que “a lei estabelece um valor patrimonial tributável, calculado de acordo com normas, com a idade das construções e fórmulas aritméticas para fixar os preços atualizados dos imóveis”, sendo que, “na generalidade, os valores matriciais sobre os quais incidem o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e as transações que permitem cobrar o Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e, ainda, as mais-valias, representam apenas entre 50% e 80% dos valores efetivos de mercado”.

O especialista explica que “as reavaliações matriciais estão abaixo dos valores de transação e garantem uma espécie de almofada que descansa os investidores em relação ao valor real das transações imobiliárias”. Nuno Oliveira Garcia acrescenta ainda que “os montantes pelos quais têm sido transacionados imóveis em Lisboa – e designadamente, apartamentos – ascendem a valores nunca vistos, que no futuro não se sabe se vão ser igualados ou até aumentados”.

O especialista em fiscalidade salienta contudo, que a lei fiscal “não prevê um contágio dessas transações elevadas à reavaliação matricial, porque a determinação do valor sobre o qual incidem os impostos imobiliários orienta-se por critérios objetivos – como as áreas do terreno, os m2 das habitações, ou a sua localização – e não critérios emocionais”, recordando ainda assim que há zonas a registar “valorizações súbitas, como Marvila, Amadora ou Almada”.

Nuno Garcia Oliveira sublinha que “há questões práticas que alteram efetivamente o preço do m2 do imobiliário em determinadas zonas”, dando o exemplo da venda “do apartamento do 4ºA por valores que são cinco ou seis vezes superiores aos da transação do 4ºB, num mesmo prédio e que tem uma área idêntica à do 4ºA”. De acordo com o especialista é aqui que “a questão se toca”, porque “na realidade, não há mecanismos legais que façam com que a Autoridade Tributária venha corrigir os valores matriciais dos referidos imóveis. Na lei portuguesa é impossível fazer isso”, reconhece.

Nuno Garcia Oliveira recorda inclusivamente um caso na zona da Expo, em Lisboa, onde “houve apartamentos no mesmo prédio que foram vendidos por 200 mil euros, enquanto outros foram declarados por 500 mil ou 600 mil euros, por parte de juízes ou outras pessoas que não poderiam permitir-se declarar valores inferiores aos das transações”, explicando que “boa parte dos preços dessas transações “em alta” foram simulados, com consequências sobre o IRC de quem vendeu e o IMT pago pelo comprador”, porém “estes valores não afetaram mais-valias”.

Sobre quem vende um apartamento na rua Castilho, em Lisboa, por sete milhões de euros, ou “reinveste bastante, ou acaba por pagar uma brutalidade em impostos”, refere Nuno Oliveira Garcia, sendo que, “por outro lado, há muito pouca justiça nos impostos imobiliários, onde só o valor da escritura é que é relevante”.

Da parte da AT, o especialista afirma que esta “faz as investigações que tem a fazer para confrontar as contas bancárias do vendedor e do comprador e eliminar as suspeitas de simulação. Por outro lado, se uma reavaliação de fundo atualizar bastante o valor matricial, as mais-valias potenciais a cobrar pela AT descem. As atualizações do IMI seguem as regras legais”, frisando que “as transações muito elevadas apenas causam alerta social”.

Nuno Garcia Oliveira refere que para aumentar o IMI existiam “cláusulas de travão”, mas que “atualmente essas cláusulas já não se justificam”, dado que “a avaliação patrimonial em Portugal é justa e fica abaixo dos preços de mercado”, sendo que “a lei prevê reavaliações maiores ao fim de prazos mais longos, quando se efetuam novas reavaliações gerais”.

Sobre uma próxima eventual reavaliação geral do IMI em 2021, o advogado dá como exemplo um apartamento na avenida da Liberdade que tenha “um valor superior à capacidade contributiva do proprietário: se isso acontecer provavelmente terá de vender esse imóvel”. Até porque, “na realidade, um banco pode financiar o proprietário, emprestando-lhe por exemplo dois milhões de euros caso tenha como garantia o imóvel que vale muito mais que isso. Ou seja, os imóveis têm expressão monetária. Se ocorrer uma reavaliação geral do IMI em 2021 em Lisboa, em que os valores matriciais sejam reajustados por uma comissão de especialistas imobiliários – se isso for um dado objetivo -, não resultará de um contagio de preços de mercado, mas de uma avaliação feita por especialistas”.

Em suma, Nuno Garcia Oliveira, sublinha que “a reavaliação dos imóveis não é contagiada diretamente pelas transações de valores muito elevados e não é a AT que faz a reavaliação, mas a Comissão Nacional de Avaliação dos Prédios Urbanos (CNAPU), que integra arquitetos e avaliadores”. Mesmo assim o advogado diz que “a CNAPU não pode ignorar o facto de uma determinada zona ter preços de transação muito superiores aos que eram praticados há dez anos”, e que “poderá confirmar que determinada zona, como o Chiado ou a rua Castilho, têm transações imobiliárias mais elevadas do que, por exemplo, a avenida de Roma ou Belém”, remata.”

 

Por:

João Palma Ferreira

Rodolfo Reis

 

Fonte: Jornal Económico

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